sexta-feira, 27 de maio de 2011

Pensamento vagabo do dia, número 4.192/11. Gravando.



Hoje eu estava ouvindo o Pretinho Básico, um programa de rádio que passa aqui no sul (fantástico, por sinal). Ele funciona como uma velha e boa mesa de bar, onde nos reunimos pra contar piadas, conversar das novidades, falar de tudo e todos, assuntos sérios e outros nem tanto. É um programa onde a mesa redonda dele é majoritariamente homens, e como tal ambiente nesta ocasião, muitas vezes a abordagem é absolutamente machista, mas levando para um tom mais humorístico, onde no fundo (mas lá no fundo MESMO), este machismo não é propriamente a opinião definitiva dos apresentadores. Neste programa, em uma das edições, um homossexual convicto fez parte da mesa. Como se tratava de uma novidade pras pessoas da mesa, e na obrigação implícita de explorar esta novidade, o teor das perguntas feitas a ele era o mais clichê possível. Claro, mantendo o clima amistoso, afinal quem estava ouvindo e tinha o mínimo de espírito esportivo sabia que no fim, era tudo em tom de piada. Pois que era uma quebra de tabu e um exercício de tolerância com as diferenças.

Tolerância

s. f.

1. Condescendência ou indulgência para com aquilo que não se quer ou não se pode impedir.

2. Boa disposição dos que ouvem com paciência opiniões opostas às suas.

3. Med. Faculdade ou aptidão que o organismo dos doentes apresenta para suportar certos medicamentos.

(definição: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa)

Pois, tolerância é algo que precisa ser exercitado para ser aplicada em sua plenitude. E como todo exercício, é preciso uma preparação prévia para tal. Mas a preparação para exercitar um valor de caráter é algo mais complexo do que um simples exercício de conteúdo didático, por exemplo. Pois esta preparação normalmente envolve outros aspectos de caráter que devem ser pressupostos a ele e que muitas vezes são trabalhosos demais de se atingir para alguns indivíduos. É a questão de ser um valor óbvio em sua essência, mas que a vida atual em sociedade deturpa dia após dia; coisas assim costumam ser mais dificilmente detectadas do que aquilo que costuma se esconder dos olhos vistos. É aquilo que está na frente do nosso nariz, mas não se acha justamente por estar em um lugar óbvio demais para ser procurado.

Quem bota a mão na consciência e se pergunta “porque diabos eu não gosto das coisas que não gosto, afinal de contas?” fatalmente acaba esbarrando em um ponto comum entre todas estas coisas: INSEGURANÇA ACERCA DA PRÓPRIA VISÃO DE MUNDO. A velha e ingrata sensação de que tudo que gostamos pode acabar em um piscar de olhos, na simples visão da antítese da própria convicção. É um sentimento que beira a hipocondria, onde a crença de que o simples contato com o outro lado da moeda acaba por transmitir o vírus da oposição. Juntando o fato de que, contrariando a lei de Murphy (até por questão de sobrevivência atualmente), no final das contas acreditamos que nossa grama sempre é mais verde que a do vizinho. É tanto trabalho pra juntar pensamentos e criar uma visão de mundo que conhecer uma simples opinião oposta pode atrair o sentimento de que aquilo deve ser combatido, para não precisar reformular tudo. É uma questão de comodismo.

Mas quando se usa o bom senso e o raciocínio lógico ao se levantar as ditas questões imparcialmente, as coisas não se tornam tão drásticas, ao menos a princípio. É uma simples questão de ponderação. PENSAR É O PRIMEIRO PASSO. Pensar no que acreditamos ser bom, ver os prós e os contras das opiniões e no final, fazer o balanço daquilo que nos cabe. E não seria vergonhoso no fim acabar mudando de opinião, aceitar o outro lado da moeda, assim como não seria vergonhoso manter a opinião atual. E ainda há a possibilidade de se chegar ao meio-termo. Afinal, feito o balanço, seja qual for o lado que a moeda caiu, acaba se tratando de algo que nos é caro. E a vida continua.

Passada a etapa de se assegurar daquilo que se crê, há de se levar em conta que não somos as únicas pessoas do mundo com opinião própria. Geralmente aí mora o perigo, pois no fim, dorme dentro de cada ser humano uma fagulha de espírito reacionário, vindo justamente da tendência de seguirmos a lei do menor esforço, como dito anteriormente. E isto é algo a ser dominado, é um exercício diário, contrariar a tendência a seguir a inércia de pensamento.

Socialmente falando, a tendência a não aceitar as diferenças tem outra causa crucial e também inerente à natureza humana: MEDO. Medo da solidão. Medo da morte. Medo de perder a identidade. É fato de que a grande maioria destes medos tem uma causa absolutamente infundada, beirando a hipocondria, como já citado. Afinal de contas, voltando à definição de tolerância, há muita coisa na vida a qual simplesmente é impossível impedir. É impossível impedir a morte, por exemplo. Mas o mundo está cheio de crenças que prometem a vida eterna. Uma vida que se segue após a vida atual. E quem não consegue condescender ao fato de que um dia vai morrer acaba por cair nesta armadilha. E esta armadilha avança, prometendo um pós-vida com todas as regalias disponíveis a quem se presta a seguir os preceitos da crença e uma pós-vida com todos os sofrimentos e agonias que alguém pode passar aos infiéis. Trocando em miúdos, é um método de manipulação de atitudes e pensamentos baseado na intolerância que certas pessoas têm à idéia de que vão morrer um dia. E elas vão. Ninguém pode parar isso. A carne é fraca. A morte é tão parte da vida quanto ela própria. (a propósito: CRISTIANISMO E DERIVADOS E ISLAMISMO, SIM, ESTOU OLHANDO PARA VOCÊS!)

Se há algo que sintetize estas mal-escritas linhas, se trata do fato de que o exercício à tolerância se trata de um exercício de respeito à vida. Afinal, quando cometemos a indulgência à diferença, deixamos que o oposto viva em paz. Uma opinião contrária não é uma opinião contrária ambulante, e sim um conjunto todo de experiências de vida, muito provavelmente com algumas em comum. O que, no fim das contas, pode acabar por trazer experiências agradáveis de onde menos se imagina que venham...



...pensamento vagabo do dia, número 4.192/11. Câmbio e desligo.

E tome Soundgarden pra pensarmos nos nossos medos.

http://www.youtube.com/watch?v=3mbBbFH9fAg